Para o agronegócio, principais impactos continuam se dando para os mercados de grãos e fertilizantes, mas também sentem os óleos vegetais e todo o complexo logístico. Em mais duas semanas, segundo analista, reflexos do conflito poderão ser mais nítidos.
A guerra entre Rússia e Ucrânia completa um mês nesta quinta-feira (24) e gera impactos em todos os setores da economia no mundo todo. Todas as commodities foram atingidas em cheio pelo conflito tamanha a importância das duas nações no atual contexto geopolítico e econômico, bem como no quadro de oferta e demanda de alimentos. Entre analistas e consultores de mercado, trata-se de uma das mais graves crises de suprimento registradas nas últimas décadas.
Para Liones Severo, especialista no mercado de grãos e diretor do SIMConsult, trata-se da pior crise desde o início dos anos 1970, porém, mais grave agora pelas dimensões, uma vez que há 50 anos mais terras estavam disponíveis para a ampliação das áreas de plantio e trata-se da data de início da produção de soja na Argentina.
“Naturalmente que a guerra é um novo ingrediente que não havia na época, mas já existia uma forte tensão entre os Estados Unidos e a União Soviética”, afirma Severo. Assim, uma volta à normalidade levará tempo. “Muito tempo, como aconteceu naquele tempo, com uma década de sobressaltos e dificuldades para a reposição dos estoques”, complementa, reforçando que um equilíbrio entre oferta e demanda para os principais mercados demora a chegar, mantendo os preços voláteis.
Em sua última entrevista ao Notícias Agrícolas, no último dia 17, Severo explicou que este clo altista para as commodities agrícolas não começou agora e não terminará tão já. Quedas pontuais podem vir com eventual fim do conflito Rússia x Ucrânia, porém, recuperações serão imediatas diante do desequilíbrio entre oferta e demanda.
Mais do que somente refletir as incertezas da guerra, os preços também terão o papel de estimular a produção ao redor do globo. Já são previstos incrementos de área, especialmente entre os grãos, uma vez que são eles os responsáveis por garantir – ao passo em que oferta e consumo estejam um pouco mais equalizados – ajudarem a amenizar custão tão elevados entre produtos de outros grupos, como as proteínas animais.
Entretanto, soja, milho, trigo e mais grãos enfrentam o início de uma nova safra no hemisfério norte com custos de produção que estão em seus mais elevados níveis em mais de 20 anos. Afinal, no centro do conflito está o mercado de fertilizantes e uma estrutura logística completamente comprometida, o que agrava tudo ainda muito mais.
Scott Irwin, agroeconomista da Universidade de Illinois, explica que nos últimos anos a Ucrânia cultivou cerca de 31,97 milhões de hectares – 79 milhões de acres – com seis de suas principais culturas: trigo, girassol, soja, cevada, milho e canola. E há uma ameaça de que nesta nova temporada nada disso possa ser plantado dados os desdobramentos todos da guerra, e a a reposição de toda essa oferta de grãos, além do que pode deixar de ser trazido ao mercado global pela Rússia, é praticamente impossível de ser reposto nas próximas safras.
“Esse é o tamanho do enorme buraco que a guerra está deixando no mercado mundial de grãos”, afirmou Irwin em um podcast da agência internacional de notícias Bloomberg.
Do início da invasação russa ao território ucraniano até esta quinta-feira (24), os futuros do trigo já acumulam um ganho que, somente neste intervalo, passam de 16%. O contrato maio, na Bolsa de Chicago, subiu 16,17%, saltando de US$ 9,34 para US$ 10,86, enquanto a alta no julho chegou a 16,11%, com o valor passando de US$ 9,25 para US$ 10,74 por bushel. Nestes 29 dias, porém, o mercado spot testou, nos primeiros vencimentos, níveis acima dos US$ 13,00.
O trigo é o mercado mais impactado entre as commodities agrícolas. A Rússia é o maior exportador global do grão e a Ucrânia o quarto maior. Juntos, respondem por enorme potencial das exportações globais do cereal, o que já causa uma mudança profunda e substancial mudança no comportamento dos compradores, principalmente entre as nações do Oriente Médio e do norte da África, onde a base da alimentação de suas populações está no trigo.
“Para a alimentação animal há bons e numerosos substitutos diante da falta de trigo. A preocupação maior, assim, é para o trigo destinado ao consumo humano, na forma de pães, massas, biscoitos”, afirma o professor da Universidade de Illinois.
O analista de mercado Élcio Bento, da Safras & Mercado, explica que, neste momento, o mercado se ‘acomodou’ em um canal lateral, mas ainda assim em patamares elevados. Acompanhe sua análise completa no Notícias Agrícolas:
Assim, não só a recomposição da oferta pesa sobre os preços, mas também a força da demanda no movimento dos mercados globais do trigo de forma tão abrupta.
Rússia e Ucrânia são também importantes players do mercado global de milho, mas de forma um pouco mais tímida. E esta também deverá ser uma cultura comprometida nas próximas safras de ambos os países. Ainda assim, neste mesmo intervalo do primeiro mês da guerra, o contrato maio do milho subiu 8,41% de US$ 6,90 para US$ 7,48, enquanto o ganho acumulado no julho foi de 7,37%, com o contrato saltando de US$ 6,78 para US$ 7,28 por bushel.
Assim, a necessidade de um incremento de área, de acordo com os especialistas, é clara.
“A União Europeia está estudando liberação de área para o plantio e também mais linhas de financiamento para produtores europeus, incluindo a Ucrânia. Se fala em quatro milhões de hectares, pouco mais de 10% da área de cevada, milho e trigo, o que levaria a área total para os níveis de 2008/09 – coincidência ou não, foi a última crise de alimentos”, explica Eduardo Vanin, analista de mercado da Agrinvest Commodities. “A linha de financiamento pode chegar a 500 mil de euros para produtores europeus e 330 milhões para produtores ucranianos. A grande questão é se haverá semente e fertilizante para esse crescimento”, completa.
Fonte: Notícias Agrícolas