Na prática, o projeto, do governo federal, obriga empresas e produtores a criar seus próprios programas de defesa agropecuária
A Comissão de Agricultura (CRA) aprovou nesta quinta-feira (23) o projeto que cria o autocontrole dos produtores rurais sobre sua própria produção (PL 1.293/2021).
Se não houver recurso para votação em Plenário, o texto segue para sanção.
Na prática, o projeto, do governo federal, obriga empresas e produtores a criar seus próprios programas de defesa agropecuária.
O novo modelo transforma o atual sistema de defesa exclusivamente estatal em híbrido, compartilhado com os produtores. O relator na CRA foi Luis Carlos Heinze (PP-RS).
O projeto foi aprovado com votos contrários de Paulo Rocha (PT-PA) e Zenaide Maia (Pros-RN). Para a senadora, consumidores brasileiros estarão sujeitos a mais riscos a partir da “omissão estatal” em cumprir sua missão, enquanto a fiscalização estatal será mantida para os produtos exportados.
“O PL 1293/2021 tira a competência da vigilância sanitária. E o que chama mais a atenção é que os produtos que vão ser exportados vão ter vigilância. Você que compra carne aqui no Brasil, no seu açougue, cuidado que não vai ter fiscal. O Estado não vai estar presente para dizer se tem brucelose, tuberculose. Agora a carne que vai se exportar vai ter sim, e vão ser os vigilantes estatais que vão fazer o serviço. Me preocupa muito essa omissão estatal. O Brasil é um país grande, é um grande risco tirar essa competência”, disse Zenaide.
Heinze respondeu dizendo que as fiscalizações estatais ficariam mantidas em níveis estaduais e municipais. De acordo com o senador, o autocontrole é praticado nos EUA e na Europa, e agora o Brasil deve seguir o mesmo modelo. Ele disse acreditar que o autocrontrole favorecerá todas as cadeias de produção, das grandes às pequenas.
“No meu estado toda a carne que é consumida, não apenas a carne exportada, é fiscalizada. O estado tem um sistema de fiscalização, o Ministério da Agricultura tem um sistema de fiscalização e várias prefeituras também tem um sistema de fiscalização. Portanto ninguém consome carne que não é fiscalizada (…). É um projeto bastante importante para o agro, teremos um crescimento muito importante, e não só das grandes empresas. Em qualquer canto do Brasil haverá alguém auditando. Essa é a função do Mapa. Profissionais privados não poderão exercer atividade típica de auditores”, afirmou o senador, para quem o modelo de fiscalização sanitária no Brasil estaria esgotado, principalmente porque a enorme expansão do agronegócio não foi seguida de um investimento proporcional nos órgãos de fiscalização.
Autocontrole
A principal novidade do projeto é obrigar as empresas do setor a criarem sistemas de autocontrole para auxiliar o poder público na tarefa de manter rebanhos, lavouras e produtos saudáveis. Caberá à fiscalização agropecuária verificar o cumprimento dos programas.
Neste cenário, o órgão estatal competente faria não apenas a fiscalização ativa, hoje muitas vezes realizada por amostragem, mas passaria a atuar também com base na gestão de informações, mantendo seus poderes de polícia administrativa em casos de infrações às normas.
Os programas de autocontrole deverão conter registros sistematizados e auditáveis do processo produtivo, desde a chegada de matéria-prima, ingredientes e insumos até a entrega do produto final. Também terão que prever o recolhimento de lotes de produtos com problemas que possam causar riscos ao consumidor, ou à saúde animal ou vegetal.
O setor produtivo terá que apresentar manuais de elaboração e implementação de programas de autocontrole ao Mapa por meio eletrônico. Os programas poderão também ser certificados por instituições privadas com competência para isso.
Os órgãos públicos integrantes do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária poderão credenciar pessoas ou empresas para prestar serviços técnicos ou operacionais relacionados à defesa agropecuária. Não será permitido aos credenciados desempenhar atividades de fiscalização agropecuária que exijam o poder de polícia administrativa.
Simplificação
O projeto ainda simplifica as regras para a liberação de estabelecimentos e produtos por órgãos competentes. O Mapa deverá disponibilizar, até 180 dias após a publicação da lei, um sistema eletrônico para receber solicitações de cadastros e credenciamento de estabelecimentos e o registro de produtos.
No caso de produtos, caberá ao Mapa incentivar a adoção de procedimento administrativo simplificado. Cumpridos os padrões, a concessão de registros será automática. O projeto ressalva, no entanto, que o registro automático não valerá para agrotóxicos.
Já para os estabelecimentos, fica dispensada a apresentação de documentos e autorizações emitidos por órgãos de governo que não tenham relação com a liberação. Além disso, estabelecimentos que possuam mais de uma finalidade e que sejam objeto de diferentes normas de defesa agropecuária poderão ter registro único no Mapa.
Incentivo
O PL 1293/2021 também cria o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária, com o objetivo de tornar os sistemas de garantia de qualidade eficientes e auditáveis através da reorganização de procedimentos.
Os produtores que aderirem terão operações de importação e exportação aceleradas, prioridade na tramitação de processos administrativos na Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, acesso automático às informações de seus processos e dispensa da aprovação prévia para a reforma e ampliação do estabelecimento.
Punições
O projeto também define punições em caso de descumprimento das normas. Mas essas medidas não poderão ser aplicadas se a correção do problema puder ser feita durante o processo de fiscalização ou, se aplicadas, deverão ser canceladas assim que comprovada a solução do problema.
As infrações são classificadas como “leves”, “moderadas”, “graves” e “gravíssimas”, segundo o risco para a defesa agropecuária. Conforme a gravidade, devem ser punidas com advertência, multas, condenação do produto, suspensão ou cassação do registro ou a cassação da habilitação do profissional para prestar serviços de defesa agropecuária. O PL 1293/2021 também atualiza os valores das multas, que podem variar de R$ 100 a R$ 150 mil.
A empresa poderá solicitar a conversão em multa da suspensão ou cassação de registros, cadastros ou credenciamentos, desde que assine um termo de ajustamento de conduta.
Fronteiras
O projeto também cria o Vigifronteiras e dá prazo de até 90 dias, depois de publicada a nova lei, para que o governo defina as regras da política pública.
O Vigifronteiras busca estabelecer um sistema integrado de vigilância agropecuária nas fronteiras do Brasil, para impedir o ingresso de substâncias ou agentes biológicos que possam causar danos à agropecuária e à natureza e de produtos agropecuários que não atendam aos padrões de qualidade ou aos requisitos de segurança exigidos ao consumo.
Sindicato quer levar projeto ao Plenário
O Anffa Sindical, que representa os auditores fiscais federais agropecuários, adianta que já está em contato com senadores contrários ao projeto para que entrem com recurso para levá-lo à apreciação no plenário. Tendo em vista o poder terminativo da CRA, será aberto prazo para a interposição de recurso, por pelo menos nove senadores, para que a matéria seja apreciada por todos os parlamentares. A proposição aprovada permite às empresas do setor produtivo se autofiscalizarem.
“Vamos atuar ativamente para levar esse PL ao plenário, por meio de recurso, com apoio dos senadores que defenderam a posição contrária à proposta”, destaca. “Seguimos na luta, em frente, e vamos até a última instância, combatendo a aprovação desse projeto”, enfatiza Janus Pablo, presidente da entidade.
“Estamos falando de hormônios, de antimicrobianos, de antiparasitários que deixam resíduos nas carnes, ovos, leite e outros alimentos que consumimos. É uma porta aberta para a terceirização de nossas atividades. É no mínimo um avanço sobre as competências das carreiras que compõem o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), para não falar em usurpação. Somos os últimos guardiões do consumidor brasileiro. Se abruptamente formos retirados de uma planta frigorífica, por exemplo, isso deixa o consumidor muito indefeso. Precisaríamos de no mínimo uma década de transição para chegar a esse modelo”, complementa.
Fonte: AGÊNCIA SENADO, Canal rural