O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o chamado marco temporal, uma decisão que preocupa profundamente os produtores rurais. No entanto, a discussão sobre o tema terá um novo capítulo na próxima quarta-feira (29/9), quando os ministros terão que fixar a tese que servirá de parâmetro para a demarcação de pelo menos 226 territórios indígenas de norte a sul do país.
O foco principal agora é definir como serão indenizados os proprietários que adquiriram as terras de boa-fé e terão que deixar suas propriedades para que elas sejam demarcadas como terras indígenas.
Os ministros precisarão definir, por exemplo, se os Estados também terão que arcar com as indenizações. Isso ocorre porque, em muitos casos, foram os governos estaduais os responsáveis por conceder títulos de propriedade das terras que agora podem ser objeto de litígio.
Em outro aspecto, conforme revelado pelo Valor, logo que o julgamento do caso foi retomado, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Ministério dos Povos Indígenas e à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que começassem a calcular o impacto orçamentário levando em consideração as particularidades de cada território aguardando demarcação.
Durante o julgamento, que se estendeu por 11 sessões, pelo menos quatro teses distintas foram apresentadas.
O marco temporal estabelecia que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição. Essa tese foi firmada pelo próprio STF ao discutir o caso da Raposa Serra do Sol e foi abraçada pelos ruralistas. No entanto, era vista como uma ameaça pelos povos indígenas, uma vez que praticamente inviabilizava a demarcação de novos territórios.
Ao longo do julgamento, apenas os dois ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que tinha forte ligação com o agronegócio, reconheceram a validade do marco temporal: Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Todos os outros ministros apontaram que a data da promulgação da Constituição não poderia ser usada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades. O placar final foi de 9 a 2 contra o marco temporal.
Apesar da ampla maioria, os ministros não chegaram a um consenso sobre o que acontecerá com quem hoje ocupa terras que serão demarcadas no futuro.
O caso concreto que deu origem à ação discutida no STF é emblemático. Com a derrubada do marco temporal, a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ passará dos atuais 14 mil hectares para 37 mil hectares. Essa expansão atingirá mais de 480 famílias de colonos, como são chamados os agricultores locais, que terão que deixar suas propriedades.
A primeira proposta foi feita pelo relator, ministro Edson Fachin, ainda em 2021, quando o plenário começou a julgar o caso. Ele fez um duro voto contra o marco temporal e propôs que deveriam ser ressarcidas apenas as benfeitorias realizadas pelos proprietários, e não a chamada terra nua. Para quem tiver que deixar suas propriedades, o ministro propôs que eles deveriam ter prioridade em assentamentos. Essa é a tese que mais agrada aos povos indígenas.
Em junho deste ano, quando o debate foi retomado, Moraes defendeu a necessidade de conciliar os direitos dos indígenas com os de produtores rurais que adquiriram as terras regularmente e de “boa-fé”, em uma tentativa de evitar novos conflitos.
O ministro, então, propôs que a União deveria pagar uma indenização prévia sobre o valor total dos imóveis, e não apenas em relação às benfeitorias realizadas.
O voto dele também trouxe outra inovação, ao propor que, se houvesse a “expressa concordância”, os indígenas poderiam receber do governo federal outras “terras equivalentes” às pleiteadas nos processos de demarcação.
Após a manifestação do ministro, o governo federal começou a calcular o valor que custaria colocar a proposta de Moraes em prática. Em documento enviado ao STF, porém, disse que a indenização prévia geraria um “gasto incalculável” para os cofres públicos e poderia até mesmo inviabilizar futuras demarcações.
No fim de agosto, foi a vez de Zanin apresentar outro modelo: a responsabilidade civil não deve ser apenas da União, mas também dos Estados, que, muitas vezes, foram os responsáveis pela venda dos títulos de propriedade. O voto dele foi costurado com movimentos indígenas e considerado um bom meio-termo pelo governo.
Barroso apontou concordar com Zanin, mas ponderou que a questão das indenizações deveria ser discutida futuramente, e não durante o julgamento sobre a tese do marco temporal.
Na quarta-feira, Toffoli foi o único ministro a se manifestar. Em um longo voto, ele defendeu que os cálculos de possíveis indenizações ocorram em paralelo aos procedimentos demarcatórios, de modo que, ao tempo da desocupação, já se tenha a fixação do valor da terra nua.
Para o ministro, entretanto, as indenizações não devem ser a regra, “sempre devendo-se buscar o meio menos gravoso aos cofres públicos para a satisfação da reparação” – por exemplo, o reassentamento.
Ele também adicionou outro tema ao julgamento, ao sugerir que o Congresso deveria legislar sobre o aproveitamento econômico das terras indígenas, o que poderia autorizar, por exemplo, a mineração nos locais.
Na quinta-feira, os demais ministros – Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber – evitaram entrar em detalhes das teses, deixando essa discussão para a próxima quarta-feira. Ainda há dúvidas também se os dois ministros vencidos, Nunes Marques e Mendonça, poderão participar desse debate.
Descubra um mundo de conhecimento agrícola exclusivo – Inscreva-se agora na nossa Newsletter em TheFarmNews.com.br e colha os segredos para o sucesso no campo!
Fonte: Valor e Globo Rural